sábado, 6 de novembro de 2010

Fazendo a coisa certa na hora certa!


Fazendo a coisa certa na hora certa!


Na manhã do dia 06/08 recebi uma chamada telefônica de um colega. Foi assim:

- Você soube o que aconteceu com o João?
- Não! O quê?
- Ele reagiu a um assalto e matou o cara!
- Agora?
- Não! Foi nesta madrugada!
- E ele tá bem?
- Tá tudo bem!

No mesmo dia o jornal local publicou a matéria intitulada “Ladrão é morto após tentar roubar delegado da PF”. O artigo informou o seguinte:

“Ao tentar roubar à mão armada um carro na madrugada de hoje (6), no bairro Fundinho, na região central de Uberlândia, o assaltante foi surpreendido de maneira letal. A vítima era um delegado da Polícia Federal de Uberlândia. O autor do assalto W.D.N., 36 anos, acabou morto a tiros. Ele sacou a arma contra o delegado, que atirou antes para se defender.

O delegado havia acabado de estacionar na rua e caminhava pela calçada quando foi abordado pelo assaltante. W.D.N. empunhava uma pistola calibre 380 prateada. Ele determinou que a vítima voltasse para o carro e entregasse as chaves e a carteira.

O delegado disse que pediu ao homem que se acalmasse e que entregaria tudo o que ele quisesse. A única carteira que possuía, no entanto, era a funcional, onde estava todo o dinheiro e demais documentos. Ele sacou a arma e identificou-se. Segundo o depoimento do delegado, antes que o autor atirasse, ele disparou para intimidar e dominar o assaltante.

Moradores do prédio em frente ao local do crime disseram para os policiais militares que o delegado tentou tranquilizar o autor, que demonstrava nervosismo. Mesmo depois de ser atingido, o assaltante tentou alcançar a arma no chão.

O delegado mandou que ele permanecesse imóvel e chutou a arma para fora do alcance de W.D.N. A vítima foi socorrida e levada ao Pronto-Socorro do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia, mas não resistiu aos ferimentos.” (JORNAL CORREIO DE UBERLÂNDIA, 2010).

Após o confronto, uma breve investigação indicou que no dia 05/08 o criminoso W.D.N., também conhecido como Will Pitbull, e três comparsas haviam deixado a cidade de Uberaba/MG rumo a Uberlândia/MG. Quando chegaram ao destino, eles decidiram roubar um carro e cometer outros crimes. Como era necessário aterrorizar a pretensa vítima (e quem sabe matá-la), eles portavam, dentre outras armas, uma pistola .380 totalmente carregada com 17 cartuchos expansivos (EXPO). A arma estava pronta, ou seja, com “bala na agulha”.

Poucas horas antes do confronto, o policial (que em breve seria a vítima da quadrilha) havia combinado uma reunião com amigos num conhecido restaurante da cidade. Como era responsável por sua própria segurança, ele portava uma pistola calibre 9 mm pronta para o uso e totalmente carregada com munição expansiva. Mas não se engane com as diferenças entre calibres e munições, porque uma arma, por si só, não é capaz de vencer uma luta. E como a diferença entre viver e morrer é medida em segundos, você precisa saber que os vencedores nos combates armados são aqueles mais preparados para reagir.

Assim, o policial estacionou e desceu do seu carro. Enquanto falava ao celular, ainda próximo à porta do veículo, ele percebeu um homem se aproximando a pé pelo meio da rua. O policial continuou observando o homem, que passou por ele e seguiu adiante. Era óbvio que algo não estava certo, mas o colega não sabia o que exatamente estava errado. Então, ele deu a volta por trás do carro e quando estava perto do porta-malas viu aquele mesmo homem retornar em sua direção. No instante em que o homem se aproximou, ele sacou aquela pistola .380 e disse: “É um assalto! Entra no carro que eu tô armado!” O assaltante, que costumava assassinar suas vítimas em casos semelhantes, ordenou que o policial entrasse no carro e ficasse no banco do passageiro. Tão logo o criminoso anunciou o roubo, ele se aproximou da porta do motorista. O policial pediu calma, deu uns passos para trás (como se fosse atender à exigência do criminoso), e quando o assaltante vacilou, ele sacou a arma, se identificou e acertou logo os três disparos iniciais.

O primeiro projétil atingiu a clavícula direita do bandido e se fragmentou, provocando um grande orifício de entrada, porém com pouca penetração. Surpreso e assustado, o assaltante se virou (no sentido horário) e ficou completamente de frente para o policial, quando recebeu o segundo tiro que perfurou o tórax na altura do mamilo esquerdo. Contudo, estes disparos não foram suficientes para causar a incapacitação imediata do agressor. O policial, que usava o carro como barricada, percebeu que o criminoso se AFASTAVA (1) ainda resistindo à ordem para se entregar. Então, o colega deixou a barricada e REENQUADROU (2) o assaltante em sua linha de visada. O bandido continuou seu giro de arma em punho quando foi atingido pelo terceiro projétil na face lateral esquerda da caixa torácica (onde se localizam as costelas falsas). Mesmo atingido por três tiros, o assaltante saiu do alcance do policial (que errou os quatro disparos seguintes) e conseguiu correr alguns metros antes de se DEITAR (3) no chão. Ele não caiu, mas se deitou dizendo: “Já deu! Já deu! Já deu!” Deitado de costas, o assaltante ainda tateava o chão à procura da arma que havia caído, quando o policial se aproximou, chutou a arma e acionou o serviço de atendimento de urgência. Imaginando a presença de outros criminosos, o policial recuou até o muro de uma casa podendo observar toda a área. Ao ouvirem e perceberem a quantidade de tiros, os comparsas fugiram, a vizinhança surgiu nas janelas e a polícia (que rondava as imediações) chegou.

Então, volto a dizer que uma arma, por si só, não é capaz de vencer uma luta; que a diferença entre viver e morrer é medida em segundos; que os vencedores nos combates armados são aqueles mais preparados para reagir.

Neste incidente, o colega foi escolhido como vítima porque se comportou como uma vítima potencial ao permanecer próximo ao carro conversando pelo telefone durante a noite. E estar armado numa situação assim não significa garantia de segurança. Além disso, o que poucas pessoas percebem é que carros e motocicletas são verdadeiras armadilhas. Se você está dentro ou próximo do seu carro, certamente você está em perigo. Então, a solução é observar o lugar antes de parar, estacionar o carro e sair logo do local desconfiando da aproximação de qualquer pessoa.

Outro aspecto importante neste episódio é que por mais que os policiais realizem acompanhamentos de criminosos, vigilâncias ou perseguições, eles jamais consideram a possibilidade de estarem eles mesmos sendo seguidos ou vigiados. E foi exatamente o que ocorreu com o policial, quer dizer, as investigações demonstraram que ele foi seguido antes de ser abordado pelo criminoso.

Felizmente, o policial foi capaz de alterar rapidamente seu estado mental e comportamental de vítima indefesa para uma situação de sobrevivência. Foi quando a presa virou predador, quando a caça virou caçador! A partir daí, ele enganou o bandido e se afastou dele; usou a traseira do carro como barricada; sacou rápido; enquadrou o alvo; se identificou; atirou aproveitando 43% dos disparos (a média de aproveitamento nos tiroteios é de 17%); só deixou a barricada para reenquadrar o alvo; só parou de atirar quando o alvo desistiu, ao invés de utilizar técnicas antiquadas como o Double Tap (que ensina o policial a atirar duas vezes e ESPERAR para ver se algo acontece enquanto ele recebe uma chuva de balas do criminoso); afastou a arma do bandido; pediu auxílio médico e se protegeu contra outras possíveis ameaças.

Além disso, este sobrevivente foi mais um que finalmente percebeu a importância de um carregador adicional, desmistificando a lenda de que “se você não resolver uma situação com cinco tiros, não vai resolver com quinze!” Ele também aprendeu que a carteira de polícia não foi feita para guardar dinheiro, CNH, RG, CPF e outros badulaques.

No mais, fico feliz que o colega tenha feito a coisa certa na hora certa! E meu desejo é que ele tenha vida longa e próspera!

Verifique a imagem no começo deste artigo,  e acesse a ilustração do caso.
(1) “A distância é um fator importante porque se o atirador não apontar a arma direito, mesmo que ele queira atirar no alvo, existe uma boa chance dele errar. Desse modo, quanto mais LONGE do atirador, maior a margem de erro. Assim, o problema aqui não é o tamanho da arma ou do calibre, mas o tamanho do alvo que você representa para o atirador.” (Humberto Wendling, artigo “O que eu faço quando alguém está atirando?”, 2010).

(1) “Então, a primeira questão é se o atirador está disparando especificamente em você ou se ele está atirando em outra pessoa e os projéteis estão indo noutra direção. Estes dois cenários são relevantes para a escolha da melhor estratégia de reação. De qualquer modo, os objetivos devem ser: SAIR DA LINHA DE TIRO; SAIR DA VISÃO DO ATIRADOR e SAIR DA ÁREA. (Humberto Wendling, artigo “O que eu faço quando alguém está atirando?”, 2010).

(2) “A terceira consideração é se o atirador está realmente querendo acertar você. Se ele está decidido em fazer isso, então ele vai rastrear você até colocá-lo dentro da fatia do bolo (REENQUADRAMENTO) e se aproximar o máximo para acertar o maior número de tiros.” (Humberto Wendling, artigo “O que eu faço quando alguém está atirando?”, 2010).

(3) “A menos que o sistema nervoso central seja atingido, não há qualquer motivo para um indivíduo ser incapacitado, mesmo por um ferimento fatal, até que a hemorragia seja suficiente para diminuir a pressão sanguínea e/ou o cérebro ser privado de oxigênio. Os efeitos da dor, que poderiam contribuir enormemente para a incapacitação, são normalmente atrasados como resultado de uma séria lesão, tal como um ferimento balístico. Quando o ser humano se depara com uma ameaça, seu corpo desenvolve o Reflexo de Luta ou Fuga. Como a dor é irrelevante para a sobrevivência, ela é normalmente suprimida por algum tempo. Portanto, para ser um fator decisivo na incapacitação, primeiro a dor deve ser percebida, e então deve causar um efeito emocional.” (FBI Academy Firearms Training Unit, artigo “Handgun wounding factors and effectiveness”, 1989).
Humberto Wendling é Agente de Polícia Federal e professor de armamento e tiro lotado na Delegacia de Polícia Federal de Uberlândia/MG.
E-mail: humberto.wendling@ig.com.br
Blog: www.comunidadepolicial.blogspot.com

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O silêncio vale ouro!

Em 02 de setembro de 2010, um jornal eletrônico publicou o artigo denominado “Polícias brasileiras usam diariamente munição proibida em guerras”. O subtítulo do mesmo artigo dizia que “Projéteis do tipo ‘ponta oca’ foram banidos em conflitos internacionais por serem considerados altamente letais e desumanos.”

Para fins didáticos, este texto contém os trechos mais importantes do artigo mencionado seguidos por alguns comentários numerados. Então, vamos lá!

“Policiais civis e militares brasileiros e agentes federais usam indiscriminadamente munições de ponta oca, cujo uso é proibido entre nações, pela Convenção de Haia de 1899. A norma regulamenta armas e munições que podem ser usadas por militares em conflitos armados, levando em conta o viés humanitário.” (Último Segundo, 2010).

Comentário nº 1: As polícias brasileiras não usam indiscriminadamente munições de ponta oca, pois se a legislação não proíbe tal munição, seu uso não pode ser considerado indiscriminado. Além disso, toda munição produzida pela única empresa existente no Brasil e vendida para as forças policiais é controlada pelo Exército Brasileiro. E cada cartucho possui um código serial marcado no estojo que viabiliza a localização da unidade policial que adquiriu aquele cartucho.

Comentário nº 2: A Convenção de Haia de 1899 também não proibiu o uso de munição expansiva, já que sua Declaração nº 3, de 29 de julho de 1899, que trata do uso de projéteis expansivos, informa que os países signatários concordam em se abster do uso de projéteis que expandem ou achatam facilmente no corpo humano, tais como os projéteis com camisas que não cobrem inteiramente seus núcleos ou cravados com incisões. A declaração informa, ainda, que o acordo só é válido para os países signatários em casos de guerra, mas pode cessar caso um deles se junte a outro país que não participa do acordo. Portanto, a abstenção ou recusa voluntária em usar munições expansivas pode ser interrompida mesmo nos conflitos bélicos.

“As munições de ponta oca, ‘hollow point’, são ‘projéteis de expansão’. O artefato expande o tecido atingido, fazendo um buraco ao atingir o corpo humano, causando maior impacto e neutralizando o alvo com maior eficiência. Essa munição diminui muito a chance de ricochetear ou atravessar um alvo e atingir outra pessoa. Junto com outros projéteis de expansão ainda mais letais, a ponta oca usada no Brasil integra um grupo de munições popularmente conhecidas como ‘dum dum’.( Último Segundo, 2010).

Comentário nº 3:
A expansão do tecido humano quando atingido por um projétil não é uma característica peculiar provocada pela munição ponta oca. Na verdade, qualquer objeto (faca, flecha, lança, dardo, agulha, prego, etc.) que pretenda perfurar um alvo precisa expandir o tecido humano até seu limite de ruptura. Este princípio se aplica tanto aos projéteis expansivos quanto aos ogivais. É óbvio, também, que todo objeto que pretenda perfurar o corpo humano deva “fazer um buraco”, caso contrário, não haverá uma perfuração. E perfurar o corpo humano sempre foi o objetivo principal de todas as armas ofensivas desenvolvidas pelo homem desde tempos remotos. Assim, o nome “expansivo” não se deve ao fato deste tipo de projétil expandir o tecido humano, pois qualquer objeto possui esta capacidade, mas porque é o próprio projétil que se expande ao entrar em contato com as partes líquidas do corpo. Além do mais qualquer projétil irá deformar no impacto com uma superfície suficientemente dura, como um osso, por exemplo.

Comentário nº 4: A neutralização ou incapacitação imediata do agressor não ocorre em função do impacto, mas em virtude do projétil ponta oca, já expandido, produzir um canal de ferida permanente mais largo que o produzido pelo projétil ogival. Assim, quanto mais largo e profundo for o ferimento, maior a chance de incapacitação em virtude da intensa e rápida hemorragia capaz de induzir à inconsciência do agressor. O objetivo não é matar, mas incapacitar imediatamente aquele indivíduo que representa uma ameaça real e imediata à vida do policial. Se a munição empregada pela força policial não for capaz de produzir este resultado, então o policial será exposto ao perigo de morte, adicionalmente à sua já perigosa função, simplesmente porque a munição empregada não cumpre com eficácia seu objetivo. A questão aqui é tão somente o diâmetro do ferimento. Esse diâmetro também pode ser ampliado se for aumentado o calibre do projétil. Por exemplo, as polícias brasileiras poderiam substituir as munições 9 mm e .40 expansivas pela munição .45 não expansiva. É como diz um amigo policial civil e atirador prático: “Enquanto se discute se a munição usada pelas polícias expande ou não, é certo que o .45, naturalmente mais larga, não encolhe!” Contudo, como a média de aproveitamento dos disparos (acertos no alvo) é de 17%, segundo estatíticas americanas, o policial precisa levar consigo o maior número de cartuchos possíveis para aumentar a chance de acerto antes que ele fique sem munição, o que é inviável para armas no calibre .45. Por isto as forças armadas de todo o mundo e a Polícia Federal brasileira ainda utilizam o calibre 9 mm.

Comentário nº 5: Todo projétil de arma de fogo é letal por natureza, e até mesmo as tecnologias menos letais, como os projéteis de borracha, podem matar sob certas circunstâncias. Por exemplo, é bem provável que um projétil de qualquer calibre, que atinja o cérebro provoque a morte. Mas isso não quer dizer que o policial deva utilizar qualquer calibre ou mesmo treinar para acertar a cabeça do agressor, pois é difícil que ele consiga mirar cuidadosamente na cabeça durante o estresse de um tiroteio. É por isso que o treinamento conduz o policial a disparar contra o centro de massa, ou seja, a parte central do corpo humano, independentemente do calibre ou do tipo de projétil.

Comentário nº 6: Dum Dum é uma cidade indiana que durante o século 19 abrigou a Real Artilharia Britânica quando a Índia ainda era uma colônia inglesa. Nessa base militar, o oficial Neville Sneyd Bertie-Clay iniciou os trabalhos para o desenvolvimento das primeiras munições expansivas do tipo Soft Point (quando a camisa cobre parte do projétil, contudo deixando a ponta de chumbo exposta para que deforme e adquira a forma de um cogumelo durante a penetração no corpo humano). O desenvolvimento desse tipo de munição ocorreu porque os cartuchos ingleses da época eram incapazes de incapacitar imediatamente os revoltosos indianos, principalmente a curtas distâncias. Portanto, Dum Dum não é um tipo de munição, mas o local onde um tipo de projétil expansivo foi desenvolvido.

“De acordo com o diretor do IML (Instituto Médico Legal) do Estado do Rio de Janeiro, Xxxxx Xxxxxxx, ‘a característica de um ferimento de bala oca [internamente] é semelhante à forma de um cogumelo, pois a munição retém todo o poder de energia do projétil dentro do corpo e dobra o seu poder de destruição, sendo mais letal que a munição em forma de ogiva, totalmente fechada’.” (Último Segundo, 2010).

Comentário nº 7: O estudo do FBI “Handgun Wounding Factors and Effectiveness” informa que frequentemente os médicos legistas não podem distinguir um ferimento causado por um projétil expansivo daquele provocado por um de ponta oca, pois não há diferença física nas lesões. Um ferimento de “bala oca” não é semelhante à forma de um cogumelo, porque é o projétil que assume essa configuração, não a lesão.

Comentário nº 8: Nenhuma munição, seja expansiva ou ogival, retém energia cinética, mas todas transferem esta energia para o alvo. Contudo, não é a transferência de energia cinética que incapacita o agressor, mas sim a distância penetrada no alvo e a quantidade de tecido destruído pelo projétil. Portanto, um projétil não possui energia suficiente para nocautear uma pessoa porque sua massa é milhares de vezes menor que a massa de um ser humano. Por exemplo, a massa de um projétil .40 (11,66 g) é 6.432 vezes menor que a massa de um homem de 75 kg. A quantidade de energia depositada no corpo humano por um projétil é equivalente a ser atingido por uma bola de beisebol, de acordo com o cirurgião americano Douglas Lindsey, em seu estudo denominado “The Idolatry of Velocity, or Lies, Damn Lies, and Ballistics” (1980, p. 1068-1069). Assim, um projétil não pode simplesmente nocautear um homem. Se houvesse energia suficiente para fazer isto, então uma energia equivalente seria aplicada contra o atirador, e ele também seria “nocauteado”. Essa informação é corroborada por uma das maiores autoridades sobre ferimentos balísticos, o Coronel do Corpo Médico do Exército Americano e médico especialista em balística terminal Martin L. Fackler.

“Não há restrição legal para o uso da munição por forças policiais – a Convenção de Haia (1899) se aplica somente aos exércitos. Mas a sua aplicação é cercada de polêmica entre os defensores e críticos dos Direitos Humanos.” (Último Segundo, 2010).

Comentário nº 9: A Convenção de Haia se aplica somente às forças armadas dos países signatários e o que se proíbe, dentre outras coisas, é o emprego de armas, projéteis ou materiais calculados para causar sofrimento desnecessário. Então é importante frisar que o objetivo da munição expansiva é somente incapacitar imediatamente o agressor, mas jamais provocar sofrimento desnecessário.

“No exterior, a munição ponta oca é usada largamente pelas polícias dos Estados Unidos. Já na Inglaterra, foi utilizada, em 2005, para matar o brasileiro Jean Charles de Menezes, confundido com um terrorista dentro de uma estação de metrô em Londres.” (Último Segundo, 2010).

Comentário nº 10: Na Inglaterra a munição expansiva só é proibida para uso civil, conforme indica a Seção 5 (1A) do Ato de 1968, o que implica afirmar que não há proibição legal para o uso dessa munição por parte da polícia inglesa. Além disso, os chefes de polícia podem escolher qualquer tipo de munição que seja apropriado às necessidades operacionais dos policiais. O fato de o senhor Jean Charles ter sido morto não tem qualquer relação com a munição utilizada pela polícia, mas com o ponto de impacto dos projéteis (sete disparos na cabeça e um no ombro). Certamente, qualquer pessoa morreria se atingida sete vezes na cabeça por qualquer tipo de projétil de qualquer calibre.

“O uso no Brasil dessa munição não é proibida pela Lei Federal n° 10.826/2003 e pelo decreto presidencial n° 5.123/2004, responsáveis por regulamentar as armas e munições no País. Ainda segundo a legislação, o Exército é o responsável por autorizar as munições que são usadas na federação, e cada órgão policial solicita os artefatos de acordo com sua necessidade. Segundo o Coronel Achiles Filho, assessor da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados da corporação, ‘não existe proibição para o uso da munição ponta oca, somente restrição a calibres maiores para as polícias’.” (Último Segundo, 2010).

Comentário nº 11:
A legislação está correta, afinal quem sabe das suas necessidades e diz como a polícia tem que operar é a própria polícia.

“No entanto o texto original da Conferência afirma que ‘estão banidas [em guerras] as munições que se expandem no corpo humano, como as que possuem o seu interior oco’.” (Último Segundo, 2010).

Comentário nº 12: o texto original da Convenção de Haia (1899) não bane as munições que se expandem no corpo humano. A Declaração nº 3 afirma que os países contratantes concordam em se abter do uso de projéteis que expandem ou achatam facilmente no corpo humano. O texto original informa o seguinte: “The Contracting Parties agree to abstain from the use of bullets which expand or flatten easily in the human body, such as bullets with a hard envelope which does not entirely cover the core, or is pierced with incisions.”

Comentário nº 13: Em 1907 ocorreu a segunda conferência de Haia, cujo objetivo era modificar algumas partes e adicionar outras ao texto da primeira convenção de 1899, especialmente em relação à guerra naval. O texto da Convenção de Haia de 1907 informa que o direito dos beligerantes para adotar meios para ferir o inimigo não é ilimitado; que é especialmente proibido empregar veneno ou armas envenenadas; matar ou ferir à traição indivíduos pertencentes à nação ou exército hostil; matar ou ferir um inimigo que, tendo deposto suas armas ou que não tenha condições de se defender, tenha se rendido incondicionalmente; empregar armas, projéteis ou materiais calculados para causar sofrimento desnecessário.

Comentário nº 14: Mesmo com o advento da Convenção de Genebra (1864) e das Convenções de Haia (1899, 1907 e 1954) que tentaram diminuir a gravidade dos conflitos armados no mundo, a própria ONU relata o crescimento no número de mortos nesses conflitos, conforme o quadro 5.1. Por quê? Porque as convenções tentam evitar o sofrimento desnecessário supostamente provocado pelos projéteis expansivos, mas não são capazes de impedir o ferimento ou a morte dos combatentes com o uso das munições ogivais.
Human Development Report 2005 – Capítulo 5 – Violent Conflicts (http://hdr.undp.org/en/media/hdr05_po_chapter_51.pdf)

Comentário nº 15: Embora nenhuma munição seja capaz de incapacitar imediatamente o agressor sempre, certamente alguns tipos funcionam melhor que outros, e qualquer margem a favor do policial é desejável na autodefesa. É lógico que a falha em incapacitar pode variar de acordo com a gravidade do ferimento, lembrando que esta severidade é uma função do ponto de impacto, da profundidade da penetração e da quantidade de tecido destruído. Por isso, é seguro dizer que se um alvo for 100% destruído, então a incapacitação é certa. Se 50% do alvo for destruído, a incapacitação é menos provável. A incapacitação é ainda menos certa se 25% do alvo for destruído. Contudo, e voltando à realidade, a destruição provocada por um projétil de arma de fogo é bem menor que 1% do alvo, mas a comparação é inevitável. Assim, um projétil expansivo que destrua 0,07% do alvo (52 g de um homem com 75 kg) incapacitará com mais frequência do que aquele ogival que destrua 0,04% (30 g). De qualquer modo, esta diferença pode ser muito pequena, mas ela representa uma margem de vantagem que deve ser sempre favorável ao policial. Caso contrário, esta margem penderá para os criminosos que tentam matar policiais todos os dias.

É triste, mas a verdade é que os que estão contra os policiais não são apenas aqueles que empunham armas e, contrariando a própria Convenção de Haia, nos matam utilizando meios limitados apenas pela imaginação; que nos eliminam à traição ou mesmo quando já nos rendemos ou não temos condições de defesa; que usam as mesmas munições expansivas que alguns acham que devem ser banidas; que nos torturam e queimam em fornos improvisados no alto dos morros; que deixam filhos órfãos e esposas viúvas!

Muitos acreditam que a Declaração Universal dos Direitos Humanos não vale para os policiais que defendem diariamente a propriedade, a justiça, a liberdade e a paz de pessoas desconhecidas. Contudo, uma coisa é certa: criminosos jamais tornarão o mundo melhor! Felizmente, todos os policiais do mundo sabem disso! E quem não sabe ou não tem nada bom para dizer deveria, pelo menos, ficar em silêncio!

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.”

Humberto Wendling é Agente de Polícia Federal e Professor de Armamento e Tiro lotado na Delegacia de Polícia Federal em Uberlândia/MG.
E-mail: humberto.wendling@ig.com.br
Blog: www.comunidadepolicial.blogspot.com

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